segunda-feira, 25 de abril de 2011

As palavras sabem doer

A despeito da crítica, sobretudo a mais identificada com um certo bairrismo provinciano, acho Alberto da Cunha Melo um poeta irregular. Fraco no início, excepcional da metade para o fim de sua carreira literária. Deixou um legado de grandes poemas para a língua portuguesa. Além disso, todos os que o conheceram são unânimes em defini-lo como uma figura humana solidária, afetuosa e de uma generosidade ímpar.

Relendo agora a colossal antologia "Pernambuco, terra da poesia", editada por Antônio Campos e Cláudia Cordeiro, me deparo com Dual, poema belíssimo, onde Alberto abre o seu inventário de mortes possíveis. Como o poema é longo, deixo para degustação apenas algumas dessas mortes.

MORTO PELO MUITO

O mais, o mosto,
o gás de uma montanha
de laranjas apodrecidas;
e pelo pouco,
o bago disputado
em soluços nos calabouços;

MORTO PELA FÊMEA

que me pede uma jantar
 e uma boa lembrança
e talvez peça muito;
e, pela outra
que me pede a eternidade
e talvez peça nada;

MORTO PELA VIRTUDE

essa tanga de velha
e desgastada platina;
e pelo pecado,
a notícia da única
e inexplicável
humildade de Deus;

(Alberto da Cunha Melo)

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