sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Poesia Portuguesa contemporânea - Herberto Helder

Herberto Helder nasceu em 1930, em Funchal, na Ilha da Madeira. Ainda vive e escreve. É, na minha modestíssima opinião, o melhor poeta Português ainda em atividade. Mais. Depois de Camões e Fernando Pessoa, é o maior poeta a escrever neste idioma que massacramos todos os dias.

Lembro, como se fosse hoje, como se estivesse lá, agora, do dia em que entrei na livraria cultura e me deparei com o colossal "Ou o poema contínuo". Lembro que na universidade havia lido algo dele, mas nada que se comparasse ao que estava ali na minha frente. Que descoberta, quanta fúria ali condensada. Lembro que passei várias noites sem dormir direito, degustando cada página, sentindo o cheiro das metáforas e suas infinitas possibilidades criativas. Acomodei-o na estante ao lado de João Cabral e Cecília Meireles, poetas que ele, Helder, admira e admite a influência. Herberto Helder nos mostra, nesse poema, como falar de amor, como soltar o grito lírico sem cair em clichês ou metáforas gastas, carcomidas. Oh! Poeta, louvo a tua voz grave de urso. Apartados pelo Atlântico, irmãos no infortúnio. 

TRÍPTICO (2º trecho)

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

(Herberto Helder)

Ou o poema contínuo
Herberto Helder
Ed. girafa 
535 páginas
R$49,00

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