quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

"Toda a arte aspira ser música"

Quem nunca se surpreendeu ao sentir o gosto de um cheiro? Ou respirar um aroma doce de manga madura e sentir o seu gosto como se a estivesse mordendo? Quem nunca, ao ouvir uma música, lembrou dos cheiros e sabores de alguém? Os nossos sentidos falam. E dizem muito mais a respeito do mundo do que milhares de tratados e enciclopédias. Uma obra de arte nos emociona quanto mais fale aos nossos sentidos.

Depois de perceber isto é que pude compreender a real grandeza do título deste post, retirado de uma citação do crítico Americano Walter Pater. Ele argumenta sobre a primazia da música sobre todas as outras expressões artísticas. Desde um quadro, um poema, uma escultura, tudo buscaria o ritmo e a harmonia (ou a ausência destes) inerentes à música. Beethoven estava praticamente surdo quando terminou a 9ª Sinfonia. Nunca a ouviu terminada. Apenas intuía sua melodia grandiosa, respirava seu movimento pelas hastes dos violinos. Ainda que Beethoven tenha sido um gigante, ninguém ousou tocar a superfície da música, penetrar em seu centro, como Fernando Pessoa o fez através da poesia. Sobretudo através dele mesmo, não com os heterônimos. Sobretudo no livro "Cancioneiro", do qual extraí o poema abaixo:

Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
enche-se de lágrimas
meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
nessa minha infância
que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
fui-o outrora agora.

[Fernando Pessoa - anterior a 1924]

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