terça-feira, 15 de março de 2011

Jorge Luís Borges e as gangues de Nova York

O Argentino Jorge Luís Borges nunca figurou na minha lista de autores prediletos. Há alguns anos sequer o havia lido. Ele figurava em minha memória afetiva como o velho que questionara a qualidade de Neruda como poeta. Borges dizia que a política havia catapultado Neruda para o panteão dos grandes poetas latinoamericanos. Concordo. Neruda é um poeta menor, capaz, aqui e acolá, de alguns grandes versos.

Mais do que a polêmica sobre Neruda, me chamava a atenção um certo espectro secular de antiguidade clássica, trancafiada em grandes bibliotecas repletas de pó, que pairava sobre a aura de Borges. "Não em vão fui gerado em 1899. Meus hábitos regressam àquele século e ao anterior e procurei não esquecer minhas remotas e já esmaecidas antiguidades," afirmava o velho. 

Hollywood me conectou a Borges. Foi através do filme "Gangues de Nova York", baseado no livro homônimo de Herbert Asbury, sobre a violência, devassidão e brutalidade das gangues que mandavam na cidade entre os anos 40 e 60 do século XIX. A curiosidade pelo assunto me fez chegar, por caminhos tortuosos, à "História universal da infâmia", livro delicioso de pequenas histórias, onde Borges me apresentou ao "provedor de iniquidades" Monk Eastman, no filme, interpretado pelo ator Brendan Gleeson. "Ele era uma ruína monumental", afirmava Borges sobre Eastman.


Depois disso, uma amiga querida me trouxe de Buenos Aires um exemplar de  "Ficções", no original. A partir daí, não parei mais de devorá-lo com fervor. Vieram, na sequência, "Ensaio autobiográfico" e "Poesia", este último, reunindo os últimos sete livros de poesia publicados por Borges.

Aprecio em Borges o esteta, a escrita sobre a escritura, a paixão pelos livros e pela leitura, o culto quase que religioso às grandes bibliotecas. Decerto ainda não terá tomado o lugar de Guimarães Rosa e Dostoiévsky no topo das minhas adorações. Mas terá chegado perto, muito perto. "O tempo me ensinou certas astúcias: evitar os sinônimos, que tem a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaímos e neologismos; preferir as palavras habituais às palavras assombrosas; intercalar num relato traços circunstanciais,(...) simular pequenas incertezas, pois, se a realidade é precisa, a memória não o é; (...) lembrar que as normas anteriores não são obrigações, e que o tempo se encarregará de aboli-las." (Borges, no prólogo de "Elogio da sombra")

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